STF: Estados e municípios podem proibir cultos durante a pandemia

Da Redação
09/04/2021 - 08:22
  • Compartilhe no Facebook
  • Compartilhe no Twitter
  • Compartilhe no Linkedin
  • Compartilhe no Telegram
  • Compartilhe no WhatsApp

STF: Estados e municípios podem proibir cultos durante a pandemia

O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu por 9 votos a 2 que estados e municípios podem proibir a realização de missas e cultos religiosos presenciais durante a pandemia de covid-19 para prevenir o contágio pela doença. 

Os votos divergentes foram de Nunes Marques, nomeado à Corte pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e do ministro Dias Toffoli, ex-presidente da Corte.

O STF retomou nesta quinta-feira (8) o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 811, sobre a possibilidade de fechamento temporário de templos e realização de cerimônias religiosas presenciais durante a pandemia

Um dia antes, o relator, ministro Gilmar Mendes, havia votado pela competência de prefeitos e governadores para suspender cultos e missas presenciais como forma de prevenir o contágio. 

Contexto

A ADPF 811 foi movida pelo Partido Social Democrático (PSD) contra um decreto do governo de São Paulo que proibiu temporariamente, em março de 2021, a realização de cerimônias religiosas presenciais no estado.

A matéria foi a plenário depois de uma liminar do ministro Nunes Marques, na semana passada, que proibiu prefeitos e governadores de vetarem a realização de cerimônias religiosas. Na segunda-feira (5), Gilmar Mendes reagiu proferindo uma decisão contrária sobre o tema em outro processo, baseado no entendimento de 2020 do STF que atribui aos estados e municípios a edição de medidas restritivas para prevenir a disseminação do coronavírus.

Leia também: Ao defender igrejas abertas, AGU cita 3 trechos da Bíblia e nenhum da Constituição

O Brasil é o epicentro mundial da covid-19, com mais de 340 mil mortes confirmadas.

Segundo pastores ouvidos esta semana pelo Brasil de Fatotodo rito litúrgico pode ser feito de forma remota, sem nenhum prejuízo à comunhão ou à prática religiosa. A prioridade, segundo os entrevistados, deveria ser a defesa da vida..

Votos e argumentos

Ainda na quarta-feira, Gilmar Mendes parafraseou o papa João Paulo II para ressaltar que o direito à liberdade religiosa é fundamental. No entanto, segundo o ministro, esse direito não pode estar baseado em uma “agenda negacionista”, diante do colapso sanitário que o Brasil enfrenta.

O ministro lembrou que, em países como Coreia do Sul e Estados Unidos, celebrações religiosas presenciais deram início a graves surtos de covid-19 no ano passado.

“As regras constitucionais não servem apenas para proteger a liberdade individual, mas também o exercício da racionalidade coletiva. Isto é, a capacidade de coordenar ações de forma eficiente”, enfatizou. O ministrou também afirmou que “a Constituição Federal de 88 não parece tutelar um direito fundamental à morte”.


Tema chegou ao plenário do STF após decisões divergentes dos ministros Kassio Nunes e Gilmar Mendes / Tânia Rêgo / Agência Brasil

No voto que empatou o placar em 1 a 1, Nunes Marques disse que “igrejas fechadas não garantem diminuição do contágio”. O juiz nomeado por Bolsonaro citou como exemplos Minas Gerais e São Paulo, estados que “fecharam templos e ainda assim tiveram lotação máxima nas UTIs em março.”

“Mesmo em tempos de guerra, o Exército possui oficiais capelães para celebrar cultos e missas”, argumentou, rechaçando a alcunha de negacionista.

Leia também: Só no Mato Grosso, covid já matou 16 pastores da igreja Assembleia de Deus

Para Nunes Marques, houve “extravasamento das leis e da Constituição” pelos governantes que fecharam templos no Brasil. Para ele, as igrejas devem permanecer abertas seguindo critérios restritivos: limite de 25% da capacidade, higienização das mãos, aferição de temperatura, uso obrigatório de máscaras e respeito ao distanciamento social.

“Antes mesmo da minha decisão [de sábado], 85% das unidades da federação e 22 das 26 capitais já permitiam a realização desses eventos religiosos, embora sem as medidas restritivas que estabeleci. Minha decisão teve efeito mais padronizador do que liberatório”, acrescentou. 

Alexandre de Moraes, na sequência, fez um voto contundente em concordância com o relator, defendendo a possibilidade de fechamento de igrejas como forma de frear o número de mortos.

“No Brasil, a segunda onda está matando muito mais que a primeira. Não conseguimos vacinar nem 10% da população”, disse. “Essa é a discussão. Não se trata de um debate genérico sobre a liberdade religiosa, constitucionalmente consagrada e defendida pelo STF em todos os julgamentos que aqui chegaram.”

“O que está em jogo é a defesa da vida, da saúde de todos os brasileiros, independentemente da crença ou da religião. Onde está a empatia?”, questionou Moraes. “Se não for essa a linha argumentativa, diremos que o fechamento de escolas, para salvar vidas, seria uma violação ao direito constitucional à educação.”

O ministro lembrou que, mesmo na Idade Média, em meio a pestes e epidemias, líderes religiosos defenderam o fechamento de templos e a transformação de igrejas em hospitais, para evitar aglomerações e prestar assistência ao próximo.

“A liberdade religiosa não permite que a religião imponha seus dogmas sobre o interesse e os direitos do conjunto da população”, afirmou.

Por fim, Moraes elogiou a coragem do prefeito Edinho Silva (PT), de Araraquara (SP), que zerou as mortes por covid com uma política rigorosa de isolamento. “O lockdown salvou a cidade”, enfatizou.


Culto em dezembro de 2020, no Rio de Janeiro (RJ), mostra a maioria das pessoas sem máscara / Reprodução / Facebook

O ministro Edson Fachin ampliou o placar para 3 a 1, ressaltando que as restrições não são apenas para igrejas, mas para qualquer atividade que possa provocar aglomerações.

“São incomparáveis os impactos causados ao exercício físico temporário e excepcional do direito à liberdade religiosa e do direito à saúde. A restrição temporária e localizada ao exercício presencial do direito à liberdade de religião não se alça ao patamar da tragédia da grande crise de saúde pública que assola o país, com custo de milhares de vidas”, argumentou.

Luís Roberto Barroso seguiu na mesma linha de argumentação. “É como se caíssem 20 aviões por dia, e temos a lúgubre expectativa de chegarmos ao meio do ano com 500 mil mortes. Estamos pagando com vidas pelo negacionismo e pelo atraso em tomar medidas.”

“Trata-se de ciência, e não de ideologia. De medicina, e não de metafísica”, salientou. “É difícil acreditar que, passado mais de um ano da pandemia, até hoje não haja um comitê médico-científico de alto nível orientando as ações governamentais. Tudo parece de improviso”, criticou.

O ministro recorreu a estudos científicos sobre o comportamento do coronavírus para enfatizar que o distanciamento social e o uso de máscaras são indispensáveis como medidas preventivas.

“A liberdade religiosa não contempla restrições externas. A liberdade de culto, sim, e precisa ceder a outras demandas da sociedade”, disse. “Todos podem continuar fazendo suas orações e lendo a Bíblia em casa, mas, temporariamente, não podem fazer isso em grupo.”

O placar estava 4 a 1 quando Rosa Weber iniciou seu voto. “Não podemos mudar o foco da discussão. O que está em jogo é a defesa da vida”, afirmou.

A ministra ressaltou que a vedação se dá em caráter emergencial e temporário, e o objetivo não é impedir o exercício da fé.

Edição: Leandro Melito – BdF