Mapas e dados espaciais ajudam a entender a pandemia e o mundo

Da Redação
23/04/2021 - 06:03
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Mapas e dados espaciais ajudam a entender a pandemia e o mundo

Por Karina Tarasiuk do Jornal da USP

Aplicativos que sugerem o caminho mais rápido para chegar a um destino, ou trazem a previsão do horário de chegada do ônibus no ponto mais próximo, ou qual restaurante está aberto. Esses são apenas alguns exemplos de como mapas e técnicas de processamento de dados espaciais são utilizados em tecnologias para ajudar o nosso dia a dia. 

“Tradicionalmente, a cartografia esteve mais voltada para a produção do mapa como um produto final, enquanto o geoprocessamento esteve mais voltado para o apoio à decisão com base em informações espaciais, e o produto final não é necessariamente um mapa”. A explicação é da professora Rúbia Gomes Morato. Ela coordena desde 2015 o Laboratório de Cartografia e Geoprocessamento, o Labcart, que funciona no Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

O laboratório apoia pesquisas na área de cartografia e geoprocessamento, da iniciação científica ao pós-doutorado, além de projetos liderados por docentes. Um deles é o da professora Ligia Vizeu Barrozo, do Departamento de Geografia e vinculada ao Labcart,  que atua no mapeamento da covid-19 no País.

Desde o início da pandemia, ela coordena o projeto Monitora-Clusters, vinculado ao Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, para monitoramento dos clusters (agrupamentos) ativos dos óbitos por covid-19 no Brasil. 

O projeto aplica testes estatísticos de varredura espaço-temporal prospectiva no Brasil com a finalidade de identificar municípios com excesso de óbitos em relação ao tamanho de suas populações. A metodologia de análise envolve estatística espacial a partir das coordenadas geográficas das sedes dos municípios, da população estimada pelo IBGE para 2019 e do número de óbitos notificados para covid-19.

Rúbia Gomes Morato e Ligia Vizeu Barrozo, do Laboratório de Cartografia e Geoprocessamento, da FFLCH – Foto: Arquivo pessoal

O mapa de clusters ativos identifica os locais e quando os agrupamentos tiveram início. “Este tipo de informação pode ser usado como subsídio para tomadas de decisão, como a manutenção de distanciamento físico, identificação dos locais onde devem ser aplicados testes e a necessidade de reforçar todo o sistema de saúde, com construção de hospitais de campanha, disponibilização de ambulâncias nas localidades menores e recursos humanos”, explica Ligia. 

Estas análises estatísticas pretendem contribuir com uma vigilância em tempo real de ocorrência dos agrupamentos de óbitos. “‘Tempo real’ aqui deve ser entendido como o tempo de ocorrência dos clusters”, ela enfatiza.

Vigilância de óbitos por covid-19

Os mapas apresentam círculos que indicam os agrupamentos ocorridos durante o período de análise ou ainda ativos no final do período, que teve início em 17/03/20, até o 1º dia de cada mês. Em cada círculo são apresentados o número de óbitos observados, o número de óbitos esperados em função da população em risco, o risco relativo (RR) e a população total dentro do círculo, estimada para o ano de 2019 (IBGE). A partir desses mapas é possível analisar a evolução espacial da gravidade dos óbitos no País.

Fonte: Projeto Monitora-Clusters – Labcart / IEA USP

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O uso da cartografia e do geoprocessamento possui inúmeras aplicações. Entre elas estão: fornecer informações importantes para o planejamento urbano; ajudar a identificar as áreas prioritárias para instalação de creches, escolas e hospitais; permitir saber onde estão as áreas mais sujeitas a processos erosivos e a seleção de atividades adequadas; mostrar como uma epidemia se propaga, fornecendo informações úteis para os gestores que precisam contê-la; ajudar a identificar as áreas mais propícias para a instalação de estabelecimentos comerciais do ponto de vista econômico.

A arte e os mapas

A cartografia também lida com a arte, a ciência e a tecnologia de fazer e usar mapas, segundo definição da International Cartographic Association (ICA). “Muitos mapas históricos são também obras de arte”, destaca a professora Rúbia.

E uma amostra desse tipo de material pode ser encontrada no acervo do Labcart, que conta com cerca de duas mil cartas topográficas do mapeamento do IBGE, em escalas entre 1:25 mil e 1:250 mil de todo o Brasil. Há mapas temáticos de geologia, geomorfologia, pedologia e outras características físicas em diversas escalas e de várias localidades brasileiras. Existem mapas históricos temáticos datados desde o final do século 19.  

Há também livros sobre cartografia, geoprocessamento e temas pertinentes a esses assuntos, além de ferramentas para levantamento cartográfico, como GPS de navegação, trenas e bússolas. A utilização e empréstimo são voltados à comunidade acadêmica interna e externa da USP. 

O laboratório apresenta algumas peças de valor histórico, como um estereoscópio alemão dos anos 1950, que conta com braço pantográfico e ajuste fino de altura para restituição de fotografias aéreas, materiais para levantamento cartográfico de campo, mesas digitalizadoras para cartas e uma coleção de reportagens técnicas de revistas especializadas em cartografia e geoprocessamento datadas até a década de 80, onde é possível analisar o desenvolvimento técnico e científico da cartografia e geodésia.

Todo o acervo está sendo catalogado em um banco de dados, que será disponibilizado no site do laboratório para consulta em um futuro após a pandemia. Para informações sobre o acervo, é preciso enviar um e-mail para: [email protected].

Mapa da Bahia de 1574 – Foto: Reprodução/Guia Geográfico da Bahia

Geografia e tecnologia

Dentro do laboratório, o Grupo de Estudos de Geoprocessamento e Cartografia (Geocart) busca aprofundar conhecimentos sobre os fundamentos teóricos da cartografia e conhecer ferramentas de geoprocessamento para desenvolver habilidades em análise espacial.

Paola Ferrete, uma das participantes do grupo, é recém-graduada em Geografia pela USP e trabalha na área de cartografia e geoprocessamento. “Um mundo foi se abrindo, porque entendemos o quanto a tecnologia pode ser muito benéfica para o nosso trabalho na geografia. Nós descobrimos linguagens de programação, como o R e o Python, que podem nos auxiliar nessas análises.”

O Geocart, que procura aproximar a geografia às tecnologias de informação espacial, funciona a partir do compartilhamento de saber. Nem todos os membros do Geocart vêm da Geografia – também existem estudantes de Gestão Ambiental e Pedagogia.

Encontro do Geocart antes da pandemia – Imagem: arquivo pessoal

Clara Penz, estudante do terceiro ano de Geografia na FFLCH, frequentava o Labcart antes da pandemia. Foi onde passou a se interessar mais por essas duas áreas do conhecimento. “Quando comecei a estudar cartografia passei a olhar o mundo pela visão da localização, de como a palavra ‘onde’ pode afetar nossas análises sobre o mundo. Passei a olhar para bancos de dados do IBGE de uma maneira muito diferente, e comecei a ver a possibilidade de isso ser realizável em um mapa, de ser colocado de maneira visual.” 

Mariana Mendes de Sousa, formada em Arquitetura e Urbanismo, entrou em 2018 no processo seletivo do Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana, na linha de pesquisa em Cartografia, e começou a frequentar o Labcart. Ela e suas colegas organizaram um grupo chamado Meninas na Programação, em que assistiam às aulas, faziam as tarefas e discutiam os resultados depois. “Ali, nenhuma pesquisa de pós-graduação era solitária. Essa relação de trabalho amistosa e fraterna durou até a pandemia chegar.”

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Clara Panz, estudante de geografia e pesquisadora do Labcart – Foto: Arquivo pessoal

O grupo é um ambiente para compartilhar conhecimento de programação entre as pesquisadoras. Possui cursos para ensinar ferramentas de programação utilizadas na cartografia, que foram suspensos durante a pandemia. Michelle Odete dos Santos, técnica do Labcart desde 2017, é uma das participantes do programa. 

“Nós, mulheres, sofremos muito preconceito quando vamos trabalhar com tecnologia”, conta. Dentro da Geografia também existe esse preconceito: durante muitos anos foi um curso masculino, sobretudo na área de bacharelado e pesquisa. “Sem uma iniciativa em que nós possamos nos ajudar tanto na inserção no mercado de trabalho quanto no próprio aprendizado, a gente acaba saindo sempre em desvantagem.”

Estar presente junto às outras colegas ajudava muito no aprendizado, então sempre estamos compartilhando nossos trabalhos, discutindo nossas pesquisas e compartilhando conhecimentos. Nenhuma pesquisa de pós-graduação é solitária.”

Mariana Mendes de Sousa, mestranda em Geografia – Foto: Arquivo pessoal

Em um ambiente de mulheres, com mulheres, a gente se sente mais à vontade para aprender, ter dúvidas, desenvolver. Como estudantes de uma universidade pública, a gente tem que externalizar esse conhecimento, e como mulheres a gente tem que se fortalecer e se ajudar.”

Michelle Odete dos Santos, técnica e pesquisadora do Labcart – Foto: Arquivo pessoal

Acompanhe as atividades do Labcart pelo Facebook www.facebook.com/labcartusp ou pelo site http://labcart.fflch.usp.br

Você sabia que existe uma competição de conhecimentos sobre cartografia?

A Olimpíada Brasileira de Cartografia ajuda a estimular o interesse de estudantes pela Cartografia e Geografia e propõe atividades para os professores. É voltada para alunos do 9º ano do ensino fundamental e do ensino médio, com idades entre 13 e 19 anos, das escolas da rede pública e privada (urbanas e rurais) de todo o País. Cada escola participante forma uma ou mais equipes, compostas de quatro alunos e um professor ou professora, que é o técnico ou técnica da equipe. As inscrições estão abertas e vão até o dia 21 de maio.

Para saber mais, acesse: http://olimpiadadecartografia.uff.br/obrac-2021/